Ensaio sobre o filme “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” (2004) (16/05/2017)

Igor Nolasco
3 min readJul 26, 2021

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[Encontrei hoje alguns textos breves sobre cinema que escrevi no começo da faculdade. Considero-os, sob minha ótica atual, simplórios, primários; se apoiam em referências no mínimo canhestras, com um excessivo apego ao roteiro que só pode ser justificado por esta ser minha aspiração profissional à época. O texto a seguir é relativo a esse período.]

“Brilho eterno de uma mente sem lembranças” é certamente um dos filmes mais célebres da carreira de Jim Carrey — uma excelente produção dramática na carreira de um ator que é conhecido por comédias. Contudo, está longe de se restringir às qualidades supracitadas. O diretor Michael Gondry utilizou-se de uma série de técnicas de filmagem, somando tecnologia, efeitos especiais mecânicos, adições digitais e uma indispensável licença poética, para mapear o subconsciente de Joel Barish (Interpretado por Carrey), tornando-se um verdadeiro artífice do onírico.

A mente de Joel é um palco onde sua vida é recontada através de uma série de atos fragmentados para o espectador — que acompanha o personagem principal do filme enquanto ele revive essas memórias. A engenhosa escolha do diretor de contar a história de um amor que já acabou através de uma série de flashbacks que são revividos pelo próprio protagonista é eficiente e condizente com a trama, que explicita um cenário no qual Clementine Kruczynski (Kate Winslet), então namorada de Joel, decide encerrar o relacionamento e deletar todas as memórias de seu antigo companheiro por meio de uma companhia que faz isso por meio de um processo de apagamento de memórias — elemento de ficção científica primordial na narrativa.

Essa escolha de linguagem torna o filme de certa forma inovador, inusitado. Para o espectador desavisado, pode tornar-se um elemento surpresa agradável. Tal decisão de contar a história dessa forma provavelmente foi tomada como um modo de diferenciar-se dos demais filmes sobre romance e término de relacionamento, tão numerosos no começo do século XXI. O fantástico surge como um complemento mais do que bem-vindo em uma narrativa já estanque, dando um tom fantasioso e surpreendente às memórias revividas de Joel. Cenas como uma casa desmoronando enquanto o casal principal conversa, um grupo de elefantes andando casualmente no meio de uma avenida ou uma cama de casal ocupada surgindo no meio da praia dão um tom surrealista justificado que é bem-vindo na trama e visualmente estonteante.

Muitas metáforas, naturalmente, podem ser percebidas ao longo dos 108 minutos de projeção. A jornada do personagem de Jim Carrey pelas suas memórias, bem como seu relacionamento com a semidesaparecida Clementine durante o processo, podem ser vistos como uma analogia às famosas “fases do luto”. Todo o arco do filme, naturalmente, é uma interpretação literal do que ocorreria se o desejo de muitos se realizasse: fosse tida como possível a chance de apagar completamente as memórias de um relacionamento que não deu certo. O roteiro de Charlie Kaufman, contudo, faz questão de ressaltar o quão ruim tal alternativa radical poderia ser, e os impactos negativos resultantes dela.

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Igor Nolasco

Página atualmente dedicada a reunir minha produção de textos sobre cinema que, hoje, não encontram-se mais disponíveis em seus veículos originais.