“Jardim de Guerra”: Restauração e Censura (06/05/2021)

Igor Nolasco
2 min readOct 16, 2023

--

Texto originalmente redigido para o programa Faixa de Cinema, da emissora televisiva Rede Minas, e veiculado em 06/05/2021 nas páginas dedicadas à sua programação cinematográfica nas redes sociais. Preparado como texto de contextualização, para anteceder uma exibição de “Jardim de Guerra” (Neville D’Almeida, 1968). Apresentado a seguir em sua versão integral (a versão originalmente publicada foi objeto de cortes).

“Jardim de Guerra” foi interditado pela Censura da Polícia Federal da ditadura militar em novembro de 1968 ­­– segundo a imprensa da época, logo antes da segunda exibição comercial do filme no Festival de Brasília. Antes disso, ele já havia sido mostrado em um evento efêmero, o primeiro e único Festival de Belo Horizonte. Nas notícias que anunciavam a apreensão do filme, ainda em novembro de 1968, já se falava em cortes de trechos inteiros, somando quinze minutos. Segundo as documentações oficiais, “Jardim de Guerra” só foi realmente avaliado pelos censores, tendo a imposição de uma série de cortes, em 1969, e a cópia censurada só começou a circular em 1970, sendo descrita por alguns críticos, como Jairo Ferreira, como verdadeiramente ininteligível, uma vez que a censura tratou de enxugar o máximo possível a verve revolucionária que o longa tinha em discurso e em imagem, subtraindo dele, portanto, uns bons minutos.

Se hoje é possível assistir o “Jardim de Guerra” sem cortes, é porque uma cópia 35 milímetros do filme sobreviveu às tesouras da ditadura. O longa de Neville foi convidado para inaugurar a primeira Quinzena dos Realizadores, mostra do Festival de Cannes que viria a se tornar parte tradicional do evento com o passar das décadas. Essa Quinzena inaugural, que acontece em 1969, é organizada em resposta ao cancelamento do Festival no ano anterior, em resposta aos mundialmente conhecidos protestos franceses de maio de 1968. Presumivelmente, havia algum olheiro de Cannes em Brasília naquele ano de 1968. Uma cópia sem cortes do Jardim de Guerra chegou à França, onde foi exibida em Cannes e recebida com interesse pelo público, pela crítica e pelos cineastas presentes, dentre os quais Agnes Varda e Jacques Demy.

Essa cópia que foi exibida em Cannes passou décadas fora de circulação, antes de emergir em 2018. Tendo sido preservada durante todo esse tempo por uma cinemateca alemã, ela foi enviada à Cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro, onde agora segue sendo preservada em meio ao acervo da instituição. A telecinagem para a criação da cópia digital foi uma iniciativa da Galeria Aymoré, em 2020. A Galeria exibiu o filme como parte de uma instalação feita a partir de um projeto conjunto de Neville D’Almeida e Hélio Oiticica, as “Bloco-Experiências in Cosmococa: Programa in Progress”.

--

--

Igor Nolasco

Página atualmente dedicada a reunir minha produção de textos sobre cinema que, hoje, não encontram-se mais disponíveis em seus veículos originais.